
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas decidiu apertar o cerco. A partir de agora, quem quiser votar nas categorias do Oscar vai precisar assistir a todos os filmes indicados naquela disputa. Além disso, será necessário preencher um formulário informando quando e onde o filme foi visto.
A regra parece ter sido feita sob medida para evitar casos como o de O Brutalista, um épico de 215 minutos da A24 que levou três estatuetas e recebeu dez indicações, mesmo com vários votantes admitindo que nem assistiram ou só deixaram o filme rolando enquanto resolviam e-mails.
“Isso já devia ter sido feito há muito tempo,” disse um produtor à Variety.
O objetivo é dar mais chances a filmes menores, que muitas vezes são ofuscados por campanhas mais barulhentas e bem financiadas. Ainda assim, há quem questione se a medida realmente vai deixar os votos mais justos ou se só vai abrir caminho para novas manobras.
Como era antes e como é agora
Antes, a Academia apenas recomendava que os votantes vissem todos os indicados. Na prática, muitos se baseavam no burburinho, em indicações de colegas, ou até em palpites da família.
Um executivo do setor de marketing da Academia lembra que nos anos 1980 e 1990, seu chefe costumava passar a cédula de votação em branco e dizer: “Você viu mais filmes do que eu. Preenche aí.”
Essas práticas eram comuns. Com os votos sendo enviados pelo correio, havia até casos em que os próprios filhos dos votantes marcavam as escolhas. Um executivo recorda que certos chefes de estúdio votavam sem conhecer metade dos filmes.
Isso começou a mudar em 2020 com a criação do Academy Screening Room, uma plataforma online com segurança reforçada. Ela dificultou o compartilhamento de senhas, mas não resolveu tudo.
Hoje, alguns membros apenas dão play no app da Academia, colocam no mudo ou mudam de aba, só para cumprir a exigência técnica. “O aplicativo só precisa saber que você deu play,” contou um votante. “Ele não sabe se você está assistindo de verdade.”
Outro confessou que aperta o play antes de sair de casa para trabalhar.
Formas de driblar o sistema
Muitos votos ainda são guiados por vínculos profissionais. “Você acha que vou votar contra o filme da minha própria campanha?”, disse um executivo, rindo. “Eu voto no meu.”
A Academia já tinha experimentado algo parecido com a categoria de filme internacional. Lá, os votantes precisam ver um grupo definido de obras antes de indicar seus favoritos. Mas, mesmo nesse caso, há quem assista tudo em velocidade acelerada ou só dê play antes de sair para a academia.
Não há penalidade para quem afirmar que assistiu a um filme sem ter visto. Tudo funciona na base da confiança. A maior preocupação para alguns é que votantes se esqueçam de registrar os filmes que viram fora da plataforma.
“Você mantém seu Letterboxd atualizado?”, comentou um deles.
Menos domínio de um único filme
A medida também pretende evitar que um único título leve quase todos os prêmios. De 2009 a 2021, o máximo que um vencedor de melhor filme levou foram seis Oscars, como Guerra ao Terror. Já Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022) e Oppenheimer (2023) levaram sete estatuetas cada.
Em 2024, o filme independente Anora ganhou cinco dos seis prêmios a que concorria. Com as novas regras, esse tipo de domínio pode ficar mais difícil, e obras menos visadas podem ter mais chances.
Um exemplo citado é Maria, indicado apenas em fotografia. A produção venceu o principal prêmio do sindicato dos diretores de fotografia, mas provavelmente foi pouco assistida fora do ramo. Já O Brutalista se beneficiou da visibilidade maior.
Se a nova exigência já estivesse valendo, Maria poderia ter surpreendido, já que os únicos votantes elegíveis seriam os que realmente assistiram a todos os concorrentes da categoria.
Novas estratégias em jogo
Agora, pode ser mais vantajoso para os estúdios estimular a visualização completa das categorias, até mesmo dos filmes concorrentes. Se o público de um rival for mais amplo, cada voto passa a ter ainda mais peso.
Apesar disso, integrantes experientes da Academia acreditam que quem tenta driblar as regras representa uma minoria.
“Não sou cínico a ponto de achar que as pessoas não assistem,” afirmou Scott Shooman, chefe do AMC Networks Film Group.
“Eu vou a Cannes, Telluride, Toronto e Sundance. Depois, é só acompanhar o aplicativo da Academia. Mas nem sei como os outros conseguem dar conta. No fim das contas, é nossa responsabilidade. E o fato de terem precisado escrever isso em uma regra é um pouco revelador.”
Enquanto a Academia se prepara para estrear um Oscar para direção de elenco e considera premiar dublês em breve, espera-se que essa nova exigência fortaleça os princípios da organização, que completa 100 anos em breve.
Mas nem todo mundo está tão confiante assim.
“Todo o sistema se baseia em confiança. E confiança em Hollywood?”, disse um membro do setor executivo. “Isso é piada.”
Fonte: Variety