
A nova série do FX estrelada por Ethan Hawke pode até parecer, à primeira vista, mais um drama policial estiloso. Mas Verdade Oculta vai muito além disso. A produção criada por Sterlin Harjo usa o formato de suspense noir para mexer em feridas históricas profundas dos Estados Unidos, especialmente ligadas à cidade de Tulsa, em Oklahoma.
A trama acompanha Lee Raybon, um jornalista investigativo que se autodenomina “truthstorian”, alguém disposto a cutucar verdades perigosas sem medo das consequências. Interpretado por Hawke, o personagem mergulha em uma investigação envolvendo uma família poderosa e bilionária da região, os Washburg, e acaba se metendo em situações cada vez mais arriscadas.
Apesar de ter momentos de humor estranho e situações quase absurdas, Verdade Oculta passa longe de ser uma série leve. O pano de fundo histórico pesa, e muito.
Tulsa e um passado que insiste em ressurgir
Ao longo da investigação, Lee se depara com eventos reais que marcaram Tulsa de forma brutal. Um deles é a Trilha das Lágrimas, nome dado à remoção forçada de povos indígenas do sudeste dos EUA durante os anos 1830. Mais de 100 mil pessoas foram expulsas de suas terras, e milhares morreram no caminho.
O tema aparece na série não apenas como lembrança de sofrimento. Sterlin Harjo, que é membro da nação Seminole, faz questão de mostrar que esses povos sobreviveram, se reorganizaram e seguem presentes. O passado é pesado, mas não define tudo.
Outro episódio histórico ainda mais chocante também entra na trama, o Massacre Racial de Tulsa, ocorrido em 1921. Um bairro negro próspero, conhecido como Black Wall Street, foi destruído por uma multidão branca armada após rumores infundados contra um jovem negro. Mais de 300 pessoas morreram, dezenas de quarteirões foram incendiados e o caso ficou décadas sem receber a atenção devida nos livros de história.
Na série, surgem indícios de que gerações anteriores da família Washburg lucraram direta ou indiretamente com essa tragédia.
Racismo estrutural fora dos livros de história

Verdade Oculta deixa claro que esses episódios não ficaram presos ao passado. No primeiro episódio, Lee confronta empresários brancos ricos que articulam a compra de terrenos pertencentes a famílias negras e indígenas, empurrando essas comunidades para fora da cidade por meio da especulação imobiliária.
Não há discurso explícito ou aula de história. As situações falam por si. A série mostra como o racismo pode ser silencioso, burocrático e elegante, mas ainda assim devastador.
Outros personagens reforçam esse cenário. Dois neonazistas surgem no caminho de Lee após reportagens que os expõem, deixando claro que ideologias extremistas ainda circulam com naturalidade. Já personagens indígenas comentam passagens pela prisão, ligando o passado de opressão ao encarceramento em massa que segue afetando essas populações.
Um drama que ganha força com o real
Ao ancorar sua narrativa em fatos históricos reais, Verdade Oculta ganha um peso raro para séries do gênero. O vilão Dale Washburg, vivido por Kyle MacLachlan, surge como alguém perfeitamente adaptado a um sistema que sempre beneficiou sua família, mesmo que isso custe a exclusão de outros grupos.
Esses detalhes tornam a série mais crua, mais próxima da realidade e menos confortável. Cada episódio carrega a sensação de que o que está sendo mostrado não é exagero, mas reflexo direto de escolhas feitas décadas atrás.
Para Sterlin Harjo, esse mergulho no passado tem um propósito claro.
“Dizer a verdade e ser honesto com o próprio passado é algo que cura. Isso ajuda uma comunidade a se reconectar e a acordar”, afirmou o criador.
Verdade Oculta está disponível no Disney+ e prova que, quando bem usada, a ficção pode ser uma das formas mais diretas de encarar verdades que muita gente prefere esquecer.