A aparição de Marie-Joseph-Paul-Yves-Roch-Gilbert du Motier, Marquês de La Fayette, em Outlander desperta curiosidade. Nos livros de História, ele é reconhecido pela atuação tanto nos Estados Unidos quanto na França. Na série, ele surge de forma descontraída, chamando a si mesmo de “nabo” e relatando um suposto incidente com a Rainha da França, Maria Antonieta.
A seguir, veja um panorama do personagem histórico e do evento fictício retratado no episódio 14 da 7ª temporada, intitulado “Você Não Quer se Acostumar com Isso”.
O encontro entre Claire Fraser e La Fayette no mercado
No episódio, Claire Fraser faz compras e se distrai ao ver uma carroça se aproximando. Ao esbarrar em alguém, escuta: “Perdão, por favor. Eu sou um nabo. Por favor, perdoe-me, madame“.
Trata-se de um jovem oficial que logo se identifica como o Marquês de La Fayette, o que causa surpresa e admiração em Claire. Ele menciona ter dançado com a Rainha da França e pisado em seu pé, acrescentando que teria sido chamado de nabo e banido dos bailes no palácio.
A cena é tratada de maneira leve e humorada, com os dois recolhendo os legumes espalhados pelo chão. Pouco depois, La Fayette promete levar queijos finos para Claire como pedido de desculpas.
A sequência mostra La Fayette servindo enguias preservadas em vinagre de champagne com alecrim e manjerona, mas Claire claramente não gostou do sabor. Após o jantar, ele cumpre a promessa e entrega os queijos a ela, incluindo seu favorito, Roquefort.
Já no quarto, Claire comenta com Jamie que, no futuro, esse jovem oficial terá um papel de destaque ao trazer reforços da França na luta que culmina em Yorktown. É um recurso interessante para indicar a posição que La Fayette ocupa no panorama histórico.
Quem foi o Marquês de La Fayette
Historicamente, Gilbert du Motier nasceu em 1757, na França. Era um aristocrata que se envolveu com o movimento de independência norte-americano. Tornou-se aliado e amigo de George Washington, atuando em batalhas importantes e retornando à França posteriormente.
No cenário francês, teve participação importante durante eventos revolucionários que se desenvolveram após 1789, assumindo posições-chave na Guarda Nacional de Paris.
O sobrenome “La Fayette” é frequentemente associado à expressão “herói de dois mundos”, pois ele atuou tanto na América quanto na Europa. Essa definição atravessou séculos e aparece em diversas referências culturais.
Ele realmente pisou no pé da Rainha?
Nos registros históricos não há sinal de que La Fayette tenha pisado no pé da Rainha Maria Antonieta, muito menos que ela o tenha chamado de “nabo.”
A fama de La Fayette na corte se deveu a motivos bem diferentes, ligados à política e às transformações da época. Mesmo quando jovem, não consta nenhum relato oficial de um incidente dançante que o afastasse do palácio.
A cena de Outlander utiliza um artifício de ficção para ilustrar a inexperiência e o caráter descontraído do personagem naquela etapa.
Esse tipo de recurso é comum em produções que misturam fatos reais com trechos puramente imaginados, oferecendo situações inusitadas para aproximar o público de figuras históricas.
Por que ele se chamou de “nabo”?
A palavra em francês para nabo é “navet.” Na linguagem coloquial, o termo pode indicar algo de má qualidade ou ser usado em tom pejorativo. Há quem diga “Ce film est un navet!” (“Esse filme é péssimo!”).
Em Outlander, La Fayette usa a expressão como autodepreciação, talvez se sentindo desajeitado ou culpado por supostamente ter se atrapalhado em um baile na corte.
Existe também uma tradição de expressões francesas que associam animais e vegetais ao cotidiano, como “vachement” (de “vache,” vaca), significando “muito,” e “chou” (repolho), que pode ser um carinho (“mon chou”).
Nesse sentido, “navet” aparece como uma forma excêntrica de se dizer “sou um tolo”, mas não é algo corriqueiro de se ouvir no francês de hoje. Na série, funciona como elemento humorístico, criando uma cena inusitada no encontro.
O verdadeiro incidente envolvendo a Rainha da França
Durante a Revolução Francesa, La Fayette foi nomeado comandante da Guarda Nacional de Paris, em 1789, com a missão de manter a ordem em meio à turbulência revolucionária. Um dos episódios mais marcantes envolvendo La Fayette e a família real ocorreu durante a Marcha das Mulheres a Versalhes, em 1789.
Nos dias 5 e 6 de outubro de 1789, centenas de pessoas, sobretudo mulheres dos mercados parisienses, marcharam até o Palácio de Versalhes exigindo pão e protestando contra a escassez de alimentos. Houve confrontos e tensão entre a multidão e a guarda do palácio.
Numa tentativa de acalmar os ânimos, a rainha Maria Antonieta apareceu em uma das varandas do palácio. A multidão estava fortemente hostilizada contra ela, pois corria a ideia de que vivia no luxo enquanto o povo passava fome.
Para conter a revolta popular e proteger a rainha, La Fayette, que chegara a Versalhes com a Guarda Nacional, teria se encaminhado à varanda onde estava Maria Antonieta.
Segundo relatos, ele beijou a mão da rainha diante da multidão, num gesto de cavalheirismo que visava apaziguar o povo. Esse gesto, porém, teve efeitos contraditórios: para alguns, acalmou a confusão momentaneamente; para outros, soou como uma demonstração de apoio excessivo à monarquia.
A família real acabou sendo forçada a deixar Versalhes e se mudar para o Palácio das Tulherias, em Paris, escoltada pela Guarda Nacional.
La Fayette, visto como intermediário entre o povo e o rei, enfrentou críticas tanto de revolucionários radicais (que o consideravam pró-monárquico) quanto de realistas (que o viam como traidor de sua classe).
Esse episódio em Versalhes — em que La Fayette beijou a mão de Maria Antonieta — é frequentemente citado como o incidente simbólico que envolveu o Marquês e a Rainha da França. Foi um momento que exemplificou a difícil posição de La Fayette, tentando equilibrar seu apoio às liberdades civis e, ao mesmo tempo, à figura do rei como monarca constitucional.
La Fayette em Outlander
Após essa primeira aproximação, La Fayette retorna com queijos e outros produtos, demonstrando requinte e reforçando seu apreço pela boa mesa francesa.
No episódio, Claire e Jamie comentam sobre a presença do jovem oficial no jantar importante com George Washington, além de sua relevância no desfecho da guerra. A menção de Claire a acontecimentos futuros reforça a importância que La Fayette atinge no conflito que se desenrola.
O momento em que o Marquês aparece em Outlander mistura informações históricas reconhecidas com diálogos divertidos e situações hipotéticas. Não existem registros confiáveis que confirmem a história de pisar no pé da Rainha ou a proibição de retornar ao palácio.
O uso de “nabo” (navet) como sinônimo de atrapalhado é mais um toque ficcional, explorando a curiosidade que a língua francesa oferece em expressões envolvendo vegetais.