
Desde que a BBC fez parceria com a Disney para desenvolver as novas temporadas de Doctor Who, a série parece ter perdido parte do que a tornava tão próxima do público. O problema parece não estar no elenco. Ncuti Gatwa, por exemplo, já mostrou sua capacidade como Doutor. O mesmo vale para suas companheiras de viagem.
O que parece ter mudado é a estrutura da série. Com temporadas mais curtas, a produção deixou de lado os episódios mais tranquilos e isolados, que antes ajudavam a aprofundar os personagens e suas relações.
Esses momentos mais calmos, que não precisam estar conectados à grande trama da temporada, sempre fizeram parte da identidade da série. Agora, quase todos os episódios se concentram em acelerar os arcos principais, separando o Doutor de sua companheira ou deixando a personagem completamente ausente.
Fim dos episódios considerados independentes

Durante a fase de Gatwa, os chamados episódios “independentes” desapareceram. Embora o termo seja geralmente usado de forma negativa, em Doctor Who, esses episódios isolados ajudavam a criar um vínculo com os personagens.
Histórias como The Lodger (em que o Doutor joga futebol) ou Midnight (em que ele é apenas um turista) traziam situações simples que revelavam muito sobre sua personalidade.
Esses episódios também permitiam mostrar a vida das companions fora da TARDIS. The Caretaker, por exemplo, mostrava Clara no trabalho. Já Boom Town explorava a relação entre Rose e Mickey. Até cenas como o Doutor comendo batatas fritas na rua ajudavam a trazer humanidade à série.
Com menos episódios por temporada, a série sente a necessidade de focar nos grandes acontecimentos e perde tempo para essas pausas que ajudam o público a se conectar com os personagens.
Comparações entre Belinda Chandra e Martha Jones

Ao analisar a temporada de Gatwa, até é possível encontrar tentativas de aprofundar personagens. Um exemplo é Belinda Chandra. Logo no início, sua vontade de voltar para casa parecia trazer um bom potencial. Mas isso acabou ficando raso, com a apresentação da família da personagem acontecendo só no fim da temporada.
Esse tipo de construção contrasta bastante com o que foi feito com Martha Jones, que também teve apenas uma temporada como companheira principal do Doutor. No caso de Martha, sua família teve um papel ativo desde o começo, ganhando até episódios próprios.
Essa abordagem fez com que, no final da temporada, quando a família dela foi envolvida diretamente na trama, as apostas fossem mais claras para o público.
No caso de Belinda, o roteiro ainda muda sua motivação ao longo da temporada, revelando no final que ela é mãe de Poppy. Isso enfraquece o desenvolvimento anterior e torna o desfecho abrupto.
O retorno de Jodie Whittaker mostra o que falta na nova fase

A volta de Jodie Whittaker à TARDIS evidenciou o contraste entre as fases da série. Sua presença trouxe de volta o estilo direto de explicar situações e seu humor de sempre.
Mas o momento mais marcante foi a conversa com o Doutor de Gatwa, quando ela reconhece que deveria ter dito a Yaz que a amava. Essa fala reforça que, mesmo com críticas, a fase de Whittaker deu espaço para desenvolver relações.
Na sua passagem pela série, ela se cercou de companions como Yaz, Ryan e Graham, formando uma espécie de família improvisada. As perdas que o Doutor viveu anteriormente também fizeram parte do que motivou essa aproximação.
A nova fase, por outro lado, parece evitar esse tipo de vínculo. O Doutor e sua companheira raramente ficam juntos por muito tempo. Às vezes, ele nem aparece no episódio. Isso reduz as chances de construir relações mais sólidas.
O único momento de respiro para o novo Doutor
A exceção nessa fase mais apressada foi o especial Joy Para o Mundo. Nele, o Doutor passa um tempo preso em um hotel com Anita. Por conta do ritmo mais lento, a química entre os dois personagens pôde aparecer de forma mais clara.
Essa pausa no ritmo reforça como a série poderia se beneficiar de mais momentos como esse. Quando o Doutor tem tempo para apenas existir na história, as relações se constroem com mais naturalidade.
Se a série quiser aproveitar melhor essa nova fase e a regeneração recente, talvez seja hora de olhar novamente para o cotidiano e os pequenos detalhes. Afinal, foi nesse equilíbrio entre o comum e o extraordinário que Doctor Who sempre encontrou sua força.
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