Netflix é punida pela justiça brasileira por associar empresa ao desmatamento da Amazônia

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Uma recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) tratou do limite entre liberdade de expressão e responsabilidade sobre informações incorretas. A Netflix foi condenada a pagar R$ 150 mil à Frimesa Cooperativa Central por ter exibido dados falsos no documentário Você é o que Você Come: As Dietas dos Gêmeos. A série associou a cooperativa ao desmatamento da Amazônia, mesmo que suas atividades sejam voltadas exclusivamente à suinocultura no Sul do Brasil.

Lançada em 2024, Você é o que Você Come: As Dietas dos Gêmeos é uma série documental baseada em um estudo da Universidade de Stanford. O experimento acompanhou 22 pares de gêmeos idênticos durante oito semanas: um de cada dupla seguiu uma dieta vegana e o outro, uma alimentação comum, com carnes e derivados animais.

O propósito era comparar os efeitos de cada dieta na saúde. A produção, porém, foi vista por muitos especialistas como parcial, já que tende a valorizar mais o estilo de vida vegano e deixa de lado contrapontos relevantes sobre a alimentação onívora.

No segundo episódio, a série aborda o impacto ambiental da produção de carne, com foco no desmatamento da Amazônia. Nesse trecho, aparecem imagens de produtos cárneos com a logomarca da Frimesa, o que sugere que a empresa estaria envolvida nesse tipo de prática.

O problema é que a cooperativa, sediada no Paraná, atua somente com carne suína e não tem qualquer ligação com a pecuária bovina nem com operações na região amazônica.

A confusão levou a Frimesa a processar a Netflix por danos à imagem e à reputação.

A disputa judicial

Representada pelo escritório Maria Amélia Araújo Advogados, a Frimesa alegou que a associação incorreta com o desmatamento causou prejuízo à sua credibilidade, principalmente por se tratar de uma produção exibida mundialmente para milhões de assinantes.

Em julho de 2024, a Justiça paulista ordenou que a Netflix retirasse ou alterasse as menções à cooperativa. A empresa de streaming chegou a remover a logomarca, mas manteve as imagens dos produtos, alegando que eram genéricas e não identificavam nenhuma marca específica.

A 8ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, porém, não aceitou esse argumento. Os desembargadores reafirmaram que a liberdade de expressão é um direito essencial, mas que não pode ser usada de forma abusiva ou sem limites. Segundo eles, é inaceitável divulgar informações falsas ou distorcidas que possam prejudicar terceiros.

A decisão final da justiça

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Em nova análise, o TJ-SP decidiu aumentar a indenização devida à Frimesa para R$ 150 mil. O tribunal ressaltou a diferença entre o que foi exibido e a realidade da empresa, que não tem relação com a pecuária bovina nem atua no bioma amazônico.

Na sentença, o tribunal destacou: “Embora tenha a ré o livre exercício da liberdade de expressão, não se admite que tal direito seja exercido com abusos e de forma irrestrita, sob pena de responsabilização pelo ocorrido. Ou seja, o direito à livre manifestação não pode ser exercido ao ponto de autorizar a publicação de conteúdos inverídicos ou distorcidos, como se aparenta no presente caso, em que se verifica divergência entre o conteúdo do documentário exibido pela ré, visualizado por milhares de assinantes, e a atividade desempenhada pela autora e que não é exercida na região da Amazônia.”

Com isso, o tribunal reforçou a ideia de que plataformas de conteúdo, mesmo as que produzem documentários, precisam verificar com cuidado as informações divulgadas. A liberdade de expressão continua assegurada, mas não pode servir de escudo para disseminar dados falsos.

Repercussões para o setor de conteúdo

O embate entre a Frimesa e a Netflix evidencia um dilema que tem se tornado cada vez mais comum: até onde vai o direito de informar e onde começa a obrigação de não distorcer fatos. Para empresas do setor agroindustrial, como a Frimesa, que emprega milhares de pessoas no Sul do país, esse tipo de equívoco pode gerar consequências graves para a imagem e o relacionamento com consumidores preocupados com sustentabilidade.

Vale lembrar que, embora o documentário traga discussões legítimas sobre os impactos ambientais da produção de carne, a abordagem adotada na série acabou sendo considerada seletiva. O estudo da Universidade de Stanford foi apresentado de forma parcial, o que reforçou a percepção de viés.

Casos como esse servem de alerta para produtores de conteúdo: é preciso mais cuidado e rigor factual antes de colocar uma marca ou instituição em evidência.

Fundada em 1977, a Frimesa continua focada em suas operações de suinocultura e em práticas sustentáveis no Sul do Brasil, longe das polêmicas amazônicas. Já a Netflix ainda não se pronunciou sobre a decisão do TJ-SP.

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