
Antes mesmo de chegar aos cinemas, Avatar: Fogo e Cinzas já carregava um peso considerável. Não apenas por dar continuidade a uma das franquias mais bem-sucedidas da história do cinema, mas também por aprofundar temas que James Cameron trata como centrais desde o primeiro filme.
A saga de Pandora sempre funcionou como um espelho de conflitos reais, usando ficção científica para discutir colonialismo, exploração de povos originários e a relação entre tecnologia, violência e natureza. Só que, dessa vez, o próprio diretor percebeu que estava prestes a cruzar uma linha delicada demais.
O problema surgiu justamente no desfecho do terceiro filme, quando Cameron entendeu que a mensagem que queria transmitir estava sendo sabotada por uma escolha que parecia contradizer tudo o que Avatar tenta defender.
Um final que ia na direção errada
Ao longo de Fogo e Cinzas, Jake Sully segue vivendo o conflito interno entre sua formação militar e os valores do povo Na’vi. Mesmo integrado à cultura de Pandora, ele ainda pensa como um fuzileiro naval, algo que fica evidente logo no início do filme, quando aparece resgatando armas deixadas no fundo do oceano após os eventos do filme anterior.
Essa contradição sempre esteve presente na franquia. Jake defende um povo que valoriza a harmonia com a natureza, mas ensina seus filhos a usar armamentos humanos. Ele combate a colonização, mas faz isso recorrendo à lógica da guerra.
Em versões iniciais do roteiro, Cameron levou essa ideia ainda mais longe. No final do filme, Jake também estaria usando armas de fogo para enfrentar inimigos, algo que, em retrospecto, passou a incomodar profundamente o diretor.

Em entrevista recente ao jornal The National, Cameron contou que percebeu o erro ainda durante a produção de Fogo e Cinzas. Para ele, a história começava a se parecer demais com episódios reais da história colonial.
“Armar tribos e colocá-las umas contra as outras é exatamente o que aconteceu durante o genocídio de povos indígenas na América do Norte. Eu não podia fazer Jake repetir isso”, explicou o cineasta.
A constatação fez Cameron repensar toda a sequência final. Em vez de reforçar a ideia de que a solução viria por meio de armas mais poderosas, o diretor decidiu que Jake precisava aprender justamente o oposto, a hora de largar as armas.
A mudança foi grande. No filme que chegou aos cinemas, Jake lidera uma resistência baseada em alianças entre diferentes clãs Na’vi, usando arcos, lanças e criaturas treinadas de Pandora, enquanto o uso de armamento humano fica restrito aos antagonistas.
A situação foi ainda mais complexa porque Fogo e Cinzas foi filmado em paralelo com Avatar: O Caminho da Água. Isso significava que Cameron estava reescrevendo partes importantes do terceiro filme enquanto o segundo ainda estava em produção.
Longe de ver isso como um problema, o diretor encara o processo como parte natural de seu método de trabalho. “Eu não sou apegado ao que escrevo. Estou sempre questionando tudo. Vejo a pós-produção como uma grande reescrita”, afirmou.
Essa liberdade criativa permitiu ajustes profundos na mensagem do filme, mesmo que isso significasse alterar cenas já planejadas ou conceituadas há anos.
Violência, pacifismo e limites morais
Apesar da mudança no final, Avatar: Fogo e Cinzas não oferece respostas simples. A franquia reapresenta os Tulkun, criaturas altamente inteligentes que seguem uma filosofia de pacifismo absoluto. Ainda assim, em determinado momento, eles são convencidos a lutar para evitar a própria extinção.
Cameron reconhece a ambiguidade. “Eu não tenho todas as respostas. Não sou Gandhi nem um grande filósofo. Eu luto com a questão de quando o conflito armado é justificável”, disse.
Para o diretor, o pacifismo funciona até o ponto em que a sobrevivência deixa de ser possível sem resistência. Essa tensão atravessa todo o filme e deixa claro que Avatar não pretende ser uma lição moral fechada, mas um retrato de dilemas que também existem no mundo real.
No fim das contas, a decisão de mudar o final de Fogo e Cinzas pode ter evitado que a franquia caísse em uma contradição difícil de ignorar. Ao perceber isso a tempo, James Cameron reforçou que, em Pandora, a maior batalha nem sempre é vencida com mais armas, mas com escolhas que fazem sentido para aquilo que a história quer dizer.