Fantasmas de Hiroshima: James Cameron quer que você sinta o horror do bombardeio em seu próximo filme

Hiroshima-James-Cameron Fantasmas de Hiroshima: James Cameron quer que você sinta o horror do bombardeio em seu próximo filme

James Cameron vai dirigir seu primeiro filme fora da franquia Avatar em 15 anos. O projeto será baseado no livro Fantasmas de Hiroshima (Ghosts of Hiroshima), do autor Charles Pellegrino, e chega no aniversário de 80 anos dos bombardeios atômicos dos Estados Unidos sobre o Japão.

O livro foca em histórias reais de sobreviventes dos ataques em Hiroshima e Nagasaki. Pessoas comuns que, por sorte, coincidência ou acaso, escaparam da destruição. Entre elas, um engenheiro da Mitsubishi que sobreviveu às duas bombas, um prisioneiro de guerra escocês, e um jovem que procurava a esposa entre os escombros.

Cameron, que já trabalhou com Pellegrino em Titanic e Avatar, quer levar essas histórias para o cinema de forma direta, sem ficção. Segundo ele, esse será provavelmente seu filme menos comercial até hoje.

“Se eu fizer tudo perfeitamente, o público vai sair do cinema horrorizado com os primeiros 20 minutos,” afirmou o diretor à Rolling Stone. “Mas esse não é o objetivo. O desafio é contar do jeito que o livro faz, trazendo empatia e conexão com aquelas pessoas.”

Armas nucleares influenciaram O Exterminador do Futuro

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Cameron contou que seu interesse por armas nucleares começou aos oito anos, durante a crise dos mísseis de Cuba. Ele lembra de ver panfletos sobre abrigos nucleares deixados por seu pai e entender, pela primeira vez, que o mundo podia ser destruído.

Mais tarde, leu o livro Hiroshima, de John Hersey, e muitas das imagens que criou mentalmente acabaram influenciando cenas de O Exterminador do Futuro e O Exterminador do Futuro 2. Segundo ele, foi uma questão de tempo até decidir abordar o tema de forma mais direta.

“Quero tratar disso de forma histórica, não como ficção científica,” disse.

Ficção científica previu muito antes da ciência

O livro de Pellegrino começa com autores de ficção científica prevendo bombas e destruições ainda no início do século XX, antes mesmo de a ciência entender o funcionamento da energia nuclear.

Cameron comenta como a cultura e a ciência muitas vezes caminham juntas. H.G. Wells, por exemplo, imaginou uma bomba que emitia radiação antes de os físicos sequer confirmarem que isso seria possível.

Ele também comentou sobre a relação entre inteligência artificial e armamentos, especialmente com o risco de sistemas autônomos controlarem armas nucleares. “Estamos entrando nesse mundo agora,” disse.

Encontro com sobrevivente das duas bombas no Japão

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Tsutomu Yamaguchi

Um dos momentos mais marcantes para Cameron foi a visita a Tsutomu Yamaguchi, que sobreviveu aos dois bombardeios. Ele estava em Hiroshima a trabalho e voltou para casa em Nagasaki antes da segunda explosão.

“Ele contou para os colegas que Hiroshima tinha desaparecido em um clarão. Disse: ‘Se vocês virem um flash silencioso, se joguem no chão’. Só essas pessoas sobreviveram quando a segunda bomba caiu,” relatou Cameron.

Mesmo tão próximo da morte, Yamaguchi se dedicou a espalhar mensagens de empatia. Cameron descreve o encontro como uma passagem de bastão simbólica.

“Ele não queria que ninguém mais passasse pelo que viu acontecer com sua família e vizinhos,” disse. “Ele entendia que era preciso romper com o ciclo de culpa e ódio.”

Mostrar o horror sem afastar o público

Cameron sabe que retratar a explosão e suas consequências pode afastar o público. “Se eu mostrar tudo cru, ninguém vai conseguir continuar assistindo. O desafio é envolver o espectador, fazer com que ele se veja naquele lugar,” explicou.

Ele também comentou sobre a palavra japonesa omoiyari, que significa empatia colocada em prática. Pellegrino encerra todos os e-mails a Cameron com esse termo.

“Não é só sentir empatia. É agir. É se levantar e fazer algo,” disse.

Mesmo sendo um dos diretores mais avançados tecnologicamente, Cameron tem uma relação crítica com a inteligência artificial. Está aprendendo a usar IA generativa, mas rejeita a ideia de que ela possa substituir atores ou cineastas.

“Qualquer tecnologia pode ajudar ou atrapalhar. A energia nuclear, por exemplo, foi vendida como solução para a fome no mundo. Mas o primeiro uso real foi a destruição de duas cidades,” refletiu.

Cameron cresceu em Niagara Falls, no Canadá, bem perto da fronteira com os Estados Unidos. A convivência com americanos e a presença de desertores da Guerra do Vietnã influenciaram sua percepção política desde cedo.

“Tive uma visão bem crítica dos EUA. Depois me envolvi com política por lá, me apaixonei pelo país. Mas hoje, voltei a pensar como na juventude: nossos sistemas não conseguem lidar com os problemas reais,” comentou.

Filme vai focar em personagens e não em quem jogou a bomba

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Cameron quer evitar transformar o filme em uma acusação direta sobre quem lançou as bombas. “O foco é: isso aconteceu. Aconteceu com pessoas reais. Precisamos lembrar disso,” disse. “Não quero discutir se foi certo ou errado. Quero que essa memória nos ajude a não repetir.”

Entre os personagens retratados, ele destaca Kenshi Hirata, um jovem que reuniu os ossos da esposa após o ataque, levou para os pais dela e depois sobreviveu a um segundo bombardeio.

“Também há muitas histórias de pessoas que, mesmo sabendo que iam morrer, ajudaram umas às outras. Isso diz muito sobre o espírito coletivo,” completou.

Cameron vê o mundo no limite, com três ameaças principais: mudanças climáticas, armas nucleares e inteligência artificial. Todas crescendo ao mesmo tempo.

“Talvez a superinteligência seja a saída. Talvez não. Mas estamos num ponto crítico,” disse.

Sobre os efeitos ambientais das bombas, ele lembra das descrições mais assustadoras do livro: a luz que incendeia, os corpos virando cinzas, o envenenamento por radiação.

“Desde pequeno, essas imagens me tiravam o sono. Mas também inspiraram sonhos que viraram filmes como Avatar. Tudo está ali, processado,” disse.

Cameron acredita que arte, música, cinema e livros são formas de nos conectarmos com o outro. Ele relembra a influência da música Russians, de Sting, enquanto escrevia O Exterminador do Futuro 2.

“A arte pode abrir caminho para essa conexão. É ali que mora alguma esperança,” afirmou. “O que me move é tentar contar essa história do jeito certo. Sem querer ser o herói. Só alguém que está tentando fazer isso da melhor forma possível.”

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