Nos últimos anos, a Disney tem investido forte nos remakes em live-action de suas animações clássicas. Recentemente, o estúdio trouxe uma nova versão de A Pequena Sereia, estrelada por Halle Bailey como Ariel. Como esperado, o lançamento gerou opiniões divididas. Por um lado, há defensores das adaptações que argumentam a favor das mudanças, alegando que a própria animação de 1989 já era significativamente diferente do conto original de Hans Christian Andersen. Por outro, críticos defendem que, como a nova produção é um remake, deveria se manter fiel à animação clássica.
Mas, antes de mergulharmos nesse mar de opiniões, vamos entender as principais diferenças entre a adaptação da Disney e o conto original.
1. O final da história
A diferença mais evidente entre as duas histórias é o desfecho. No conto original, o final é trágico e melancólico. A pequena sereia não consegue o amor do príncipe, que acaba se casando com outra mulher. Desolada, ela tem a opção de matar o príncipe para reverter a transformação e voltar a ser uma sereia, mas ela escolhe não fazer isso por amor a ele.
Na manhã seguinte, ela se transforma em espuma do mar. Entretanto, ela é saudada por seres etéreos chamados “Filhas do Ar”, que lhe informam que, após 300 anos fazendo o bem, ela poderá conquistar uma alma imortal.
A animação da Disney tem um final mais otimista. Ariel e o príncipe Eric enfrentam e derrotam a vilã Úrsula. Ao final, Ariel revela sua verdadeira identidade para Eric. Vendo o amor profundo entre os dois, o rei Tritão decide transformar sua filha em humana permanentemente, permitindo que ela viva feliz ao lado do príncipe na terra.
2. O contrato com a bruxa do mar
Na versão da Disney, Ariel faz um acordo com Úrsula para se tornar humana, entregando sua voz como garantia. No conto de Andersen, o pacto é mais sombrio: a sereia recebe pernas, mas sente dores como se caminhasse sobre facas a cada passo. Ao contrário do conto original, Ariel não experimenta dor física com suas novas pernas nos filmes da Disney. Além disso, na história de Andersen, ela só se tornaria humana permanentemente se o príncipe se apaixonasse por ela, caso contrário, morreria e se transformaria em espuma do mar.
Ambas as histórias tratam da ideia de sacrifício em nome do amor e das consequências de fazer um acordo sem considerar totalmente seus termos. No conto original, a ênfase está mais no sofrimento físico e emocional da Pequena Sereia, enquanto a versão da Disney se concentra no conflito externo com a vilã Úrsula e na urgência do prazo de três dias.
3. Personagens adicionais e ausentes
A animação de 1989 introduziu personagens icônicos que não existem no conto original, como o caranguejo Sebastião e o peixe Linguado. O conto original de Andersen, por sua vez, explora muito mais as outras sereias, irmãs da protagonista, que têm um papel crucial no desfecho da história.
Elas, inclusive, fazem um sacrifício cortando seus longos cabelos em troca de uma faca da bruxa do mar. A faca poderia oferecer à Pequena Sereia a chance de se tornar uma sereia novamente, desde que ela matasse o príncipe.
Sabidão, o pelicano amigo de Ariel, e Max, o cachorro de estimação do Príncipe Eric, também são criações da Disney.
4. A motivação de Ariel
No conto de Hans Christian Andersen, a Pequena Sereia não está apenas fascinada pelo mundo dos humanos e pelo príncipe. Uma motivação profunda e existencial é sua aspiração por uma alma imortal. No universo de Andersen, enquanto os seres humanos possuem almas que continuam a existir após a morte, as sereias simplesmente se transformam em espuma do mar e deixam de existir quando morrem.
Ao se apaixonar pelo príncipe, a Pequena Sereia vê nele não apenas um par romântico, mas também a chance de obter uma alma através do casamento. Seu desejo de se tornar humana é, portanto, duplamente motivado: amor pelo príncipe e a busca por uma alma.
A Ariel da Disney, por outro lado, tem um profundo fascínio pelo mundo humano muito antes de conhecer o príncipe Eric. Ela coleta artefatos humanos em sua caverna secreta e sonha em viver entre os humanos, curiosa sobre suas formas de vida, suas invenções e, claro, caminhar, dançar e correr.
A canção “Parte do Seu Mundo” ilustra claramente essa paixão. Quando ela salva e se apaixona por Eric, seu desejo de se tornar humana se intensifica, mas é mais uma extensão de sua curiosidade do que um novo desenvolvimento. O amor se torna o foco principal, e a busca por uma “alma”, como no conto original, não é abordada.
5. O papel da bruxa do mar
No conto de Andersen, a bruxa do mar é mais neutra, não sendo retratada exclusivamente como uma antagonista. Ela é, de fato, uma figura mais ambígua que fornece à Pequena Sereia uma escolha, embora a um alto custo. Ela não procura enganar ou manipular Ariel deliberadamente, mas alerta sobre os perigos e sacrifícios que virão com a transformação.
Já na adaptação da Disney, Úrsula é a grande vilã da história desde o início. Ela tem um rancor pessoal contra o Rei Tritão e busca oportunidades para usurpar seu trono. Úrsula é astuta e manipuladora. Ela não apenas faz um acordo com Ariel, mas também interfere ativamente para garantir que Ariel falhe, transformando-se na bela Vanessa para seduzir o Príncipe Eric e impedi-lo de beijar Ariel.
Ao contrário da bruxa do conto original, Úrsula tem um forte interesse pessoal no resultado do acordo. Capturar Ariel faz parte de seu plano maior para enganar e controlar o Rei Tritão, dando a ela o poder sobre os Sete Mares.
As controvérsias em torno de A Pequena Sereia (2023)
Voltando à polêmica do remake em live-action, a essência da controvérsia gira em torno de quão fiel uma adaptação deve ser. É válido argumentar que, ao adaptar uma obra, seja ela literária ou cinematográfica, sempre haverá mudanças. Isso ocorre porque cada mídia e época possuem suas peculiaridades e públicos-alvo. Além disso, a visão dos cineastas também influencia o produto final.
Os defensores das mudanças argumentam que essas adaptações permitem uma reinterpretação e modernização das histórias, tornando-as relevantes para as novas gerações. Ademais, como vimos, a animação de 1989 já fez diversas alterações em relação ao conto original.
Por outro lado, os críticos das mudanças defendem que a animação de 1989 se tornou icônica, e qualquer alteração nessa narrativa pode afetar a conexão emocional dos fãs com a obra, já que a versão mais recente trata-se de um remake.
No final das contas, a arte é subjetiva e está em constante evolução. Independentemente da opinião sobre as mudanças, é inegável que a história de Ariel, em todas as suas versões, continua a encantar e inspirar gerações, demonstrando que seus temas são atemporais e universais.
A animação A Pequena Sereia (1989) e o live-action de 2023 estão disponíveis no Disney+.