
A compra da Warner Bros. Discovery pela Netflix mexeu com os nervos de meio mundo em Hollywood. Não é só mais um negócio bilionário que muda de mãos. A fusão, avaliada entre 72 e 82 bilhões de dólares, chegou em um momento em que a indústria já está esticada ao máximo por greves, consolidações e uma bilheteria que ainda tenta se levantar.
Enquanto a Netflix diz que pretende “manter as operações atuais da Warner e fortalecer o que já funciona”, produtores, exibidores, executivos e até a Casa Branca querem saber qual é o tamanho da brincadeira. Afinal, o maior streamer do planeta pode virar dono de um dos estúdios mais tradicionais do cinema.
Hollywood pede socorro ao Congresso dos EUA
A questão central é simples para quem trabalha em cinema: a Warner nasceu como estúdio de tela grande. É casa de Barbie, Duna, Harry Potter, Invocação do Mal e dos filmes da DC. Já a Netflix passou anos acostumando o público a assistir tudo em casa, sem esperar meses pela janela de cinema.
Esse contraste criou um clima de alerta geral. Um grupo anônimo de produtores enviou uma carta ao Congresso, publicada pela Variety, afirmando que a Netflix pode “destruir” o ecossistema cinematográfico ao encurtar janelas de exibição nos cinemas. Eles lembraram declarações antigas do co-CEO Ted Sarandos, que já disse que “levar pessoas ao cinema não é o nosso negócio”.
A Netflix teria sugerido uma janela de apenas duas semanas nos cinemas antes de jogar os filmes no streaming. Outras fontes discordam, mas o receio ficou. A nota oficial da empresa fala apenas em “manter operações de cinema”, porém Sarandos soltou outra frase que deixou muita gente com a pulga atrás da orelha: janelas “mais amigáveis ao consumidor”, expressão que, no vocabulário da Netflix, costuma significar “mais curtas”.
Organizações de exibidores, como a Cinema United, chamaram o acordo de “ameaça sem precedentes” às salas de exibição. Paramount, que também tentou comprar a Warner, entrou de sola e disse que a fusão “jamais seria aprovada” pelas leis antitruste.
O governo norte-americano também não parece muito animado. Um alto funcionário da administração classificou a fusão com “ceticismo pesado”.
O risco da concentração muda o jogo
A possível fusão vem justamente quando a briga pelo público está reduzida a poucos gigantes: Disney, Amazon e Netflix. Essa análise foi reforçada pelo professor David King, da Florida State University, em entrevista ao Collider.
Segundo ele:
“Vão sobrar três cadeiras, e tem gente circulando. O conteúdo que vai para essas cadeiras já está sendo consolidado, e a Netflix percebeu que poderia gastar mais que a Paramount para garantir esse conteúdo, que não apareceria de novo para ela.”
King comentou que a mudança nos hábitos do público apertou ainda mais a pressão sobre estúdios tradicionais. Se o público vê mais streaming do que cinema, quem vive de tela grande precisa se adaptar rápido.
Ele argumentou que a compra da Warner pode acelerar esse processo, fortalecendo filmes diretamente voltados para streaming, ao mesmo tempo em que preserva estreias pontuais nos cinemas para manter prestígio.
O professor destacou outra questão maior:
“O que estamos vendo agora são três empresas oferecendo entretenimento do jeito que os consumidores acessam hoje: Disney, Netflix e Amazon.”
Mudanças imediatas? Não. Mudanças a longo prazo? Sem dúvida
A Netflix afirma que nada muda de imediato. Fusões desse tamanho demoram, às vezes levam mais de um ano para serem aprovadas, e reguladores podem segurar o processo pelo tempo que acharem necessário.
Mas, olhando para frente, o cenário tende a mudar.
A dúvida mais urgente recai sobre o futuro do HBO Max. A Netflix já disse que não pretende juntar plataformas agora, mas abriu possibilidade para um pacote no futuro, o que pode alterar preços e criar a maior oferta de streaming sob um único guarda-chuva.
Outro efeito provável é a mudança no que será produzido. A Netflix não está comprando a Warner por saudosismo. Ela quer catálogo, franquias e volume. Quando a Amazon comprou a MGM, por exemplo, logo surgiram novas séries focadas em franquias da casa. A Warner já vinha acelerando esse ritmo, e a Netflix pode levar isso ainda mais longe.
E tem a biblioteca. Friends, Looney Tunes, séries clássicas da HBO, filmes históricos do estúdio. Em um mercado em que muita gente usa streaming para rever confortos do passado, ter esse catálogo sem pagar licenciamento é ouro puro.
Por que essa fusão pesa mais que as outras

Hollywood vive de fusões, mas poucas uniram tanto poder em um mesmo lugar. A Netflix dita o ritmo do streaming. A Warner dita o ritmo das salas de cinema. Juntar as duas cria uma empresa capaz de influenciar as duas frentes ao mesmo tempo, algo muito raro na mídia moderna.
Produtores estão alarmados, exibidores estão inquietos e rivais estão fazendo pressão pública para frear o acordo.
A batalha regulatória será longa e cheia de disputa política nos Estados Unidos e na Europa.
Ninguém sabe se o acordo vai ou não ser aprovado. Mas a discussão já revelou um ponto crucial para quem trabalha com cinema e TV: se um streamer que nasceu dizendo que “cinema não é o nosso negócio” virar dono de um dos maiores estúdios do mundo, o jogo muda para todo mundo.