
Os Simpsons sempre foi uma animação conhecida por satirizar diferentes aspectos da vida norte-americana, e o meio ambiente está entre os temas que mais apareceram ao longo dos anos. Em Os Simpsons: O Filme, por exemplo, toda a trama gira em torno da poluição de um lago e de como a família acaba envolvida em um desastre ambiental gigantesco.
Mas, ao mesmo tempo em que a série brinca com causas ambientais, também acabou reforçando uma visão bastante crítica sobre a energia nuclear. Desde a estreia, Homer Simpson aparece como inspetor de segurança de uma usina, apesar de não ter qualquer preparo para o cargo.
Já o dono do local, Sr. Burns, é mostrado como um empresário mesquinho, capaz de jogar resíduos tóxicos em parques e rios, tudo para economizar dinheiro.
Essa combinação cômica, mas caricata, talvez tenha ajudado o imaginário popular a ter a ideia de que energia nuclear é algo totalmente perigoso e fora de controle.

A imagem negativa da energia nuclear em Os Simpsons não surgiu do nada. O programa estreou em 1989, um período em que o tema já estava cercado de medo e polêmicas. Dez anos antes havia acontecido o acidente de Three Mile Island, nos Estados Unidos, e apenas três anos antes, o desastre de Chernobyl, que deixou o mundo inteiro com o pé atrás sobre os riscos da tecnologia.
Somado a isso, o fim da Guerra Fria ainda estava fresco na memória. Durante décadas, a palavra “nuclear” esteve associada a ameaças de destruição em massa, bombas atômicas e cenários apocalípticos.
Assim, colocar Homer em um emprego de alto risco, mas tratado com descaso, foi um recurso criativo que fazia referência diretamente à mentalidade da época.
Para os roteiristas, escolher a usina nuclear como ambiente de trabalho de Homer era uma forma simples de transmitir ao público que ele levava uma vida cheia de dificuldades, além de permitir que situações absurdas escalassem para proporções catastróficas sempre que fosse bom o suficiente para nos fazer rir.
A crítica de Julia Pyke

Apesar de a série ser apenas uma sátira, parte do setor nuclear acredita que ela contribuiu para manter vivo o estigma em torno dessa fonte de energia.
Julia Pyke, diretora de uma usina nuclear atualmente em construção no Reino Unido, falou sobre o assunto no programa Woman’s Hour da BBC Radio 4.
“Acho que Os Simpsons, que eu gosto bastante, acabou prestando um desserviço à indústria nuclear. […] Eu não sou o Sr. Burns.”
Julia destacou que o principal obstáculo para governos investirem em energia nuclear não é o risco real de acidentes, mas a percepção pública de que eles são inevitáveis.
“Precisamos comunicar melhor os benefícios sociais da energia nuclear e o que ela pode trazer para a sociedade, destacando oportunidades para as pessoas. […] Nuclear é uma das formas mais seguras de gerar eletricidade, e é um pouco como a comparação entre carro e avião, muita gente tem medo de voar, mas estatisticamente é extremamente seguro. […] Precisamos de formas de comunicação que criem mais proximidade com o público, para que se sintam mais receptivos à indústria.”
É seguro mesmo?

Especialistas lembram que, hoje, a chance de um acidente grave em uma usina nuclear é muito menor do que o público costuma imaginar. Com os avanços tecnológicos, as instalações contam com múltiplos sistemas de segurança, tornando improvável a ocorrência de tragédias como as do passado.
Ao contrário do que se vê em Springfield, as usinas modernas não estão prestes a explodir a qualquer momento, nem produzem criaturas mutantes como o famoso peixe de três olhos da série. Também não há risco de populações vizinhas desenvolverem mutações caricatas, como personagens de pele amarela e quatro dedos.
Na prática, as usinas nucleares contribuem para uma energia mais barata e menos poluente em comparação a combustíveis fósseis. Ainda assim, a resistência popular continua sendo um fator que limita a expansão desse tipo de fonte em diversos países.
A tentativa de revisão dentro da própria série

Interessante notar que a própria equipe de Os Simpsons já abordou essa questão de forma diferente em temporadas recentes. No episódio de estreia da 35ª temporada, “A Travessia de Homer”, foi revelado que Homer nunca foi de fato o inspetor de segurança responsável pelo setor.
Seu cargo seria apenas simbólico, dado por pena, enquanto os verdadeiros profissionais qualificados garantem a operação segura da usina.
Mas essa mudança também deixou alguns fãs chateados. Muitos acharam que a revelação contrariava décadas de história da série, mas, por outro lado, ela serviu para suavizar a visão de que a indústria nuclear funciona baseada no improviso de funcionários incompetentes.
Ao introduzir essa explicação, a série apresentou uma imagem menos caricata e mais próxima da realidade: usinas nucleares são ambientes altamente controlados, onde a segurança é prioridade e a operação não depende de um único funcionário desatento.
Enfim, por mais que hoje haja um esforço maior para reverter essa imagem, é inegável que a caricatura criada por Os Simpsos ainda está muito presente no imaginário coletivo quando se fala em energia nuclear.